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Drogas: prevenção e combate

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 10/09/2012

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Foi uma infiltração na casa de máquinas da cobertura que levou o síndico João* a descobrir que alguém estava consumindo drogas em seu condomínio. Em uma das visitas para resolver o problema da infraestrutura, o gestor do edifício de 21 unidades em Jacarepaguá notou algumas guimbas de cigarro de maconha espalhadas pelo hall do elevador. A partir daí, comunicou aos porteiros suas suspeitas e pediu reforço na fiscalização da área. Poucos dias depois, um de seus funcionários lhe avisou que alguém estava subindo no elevador em direção à cobertura. João foi atrás e flagrou um jovem, que se mudara recentemente para a unidade, fazendo uso do entorpecente.

Embora embaraçosas, situações como a vivida pelo síndico de Jacarepaguá se tornam cada vez mais comuns. O uso de drogas é uma realidade presente nos condomínios, com a qual muitos gestores precisam lidar, mas não sabem por onde começar. “Moro aqui há 20 anos e, só agora, me deparei com esse problema. Não estava preparado para isso. Todas as providências que tomei partiram de mim mesmo. Se eu não tomasse a atitude, quem iria tomar? O medo de alguns administradores faz com que eles deixem de agir. Mas eu penso que quanto antes resolver o problema, menor a probabilidade de ele continuar. Isso eu levo para qualquer tema da minha administração e apliquei também nesse momento de dificuldade”, destaca João.

As pesquisas mais recentes apontam que o Brasil é o maior consumidor de drogas da América do Sul. Só de usuários de cocaína, estimulante extraído da folha de coca, o país já computa mais de 900 mil, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Além da sensível queda na qualidade de vida dos adictos e dos males que provocam em termos sociais e comportamentais, as drogas matam. Em quatro anos, de2006 a2010, mais de 40 mil pessoas perderam suas vidas em decorrência do uso de entorpecentes.

O problema já atingiu o patamar de questão de saúde pública tanto que, recentemente, a União anunciou o investimento de R$ 4 bilhões, até 2014, em planos de combate às drogas. Cidadãos comuns, afetados direta ou indiretamente pelos malefícios dos alucinógenos, também vêm demonstrando preocupação em larga escala e vão levar em conta esse tema na hora de decidir seu voto nas próximas eleições municipais de outubro. De acordo com um levantamento realizado pelo Ibope com 300 mil habitantes de 26 cidades brasileiras, 9% dos eleitores vão escolher seu prefeito com base nos planos de combate às drogas que o candidato apresentar. O tema ficou à frente de uma antiga reivindicação do brasileiro: o emprego. Segundo o estudo, apenas 4% dos votantes levará em consideração as propostas relacionadas à empregabilidade dos candidatos.

O perigo vem de dentro
Se as drogas já mobilizam o governo, a mídia e a sociedade em geral, nos condomínios, entretanto, elas ainda não são encaradas com a devida atenção. Muitos administradores preferem ignorar o problema a lidar de frente com ele. Por ser considerado um ambiente seguro, longe da repressão policial e dos perigos das ruas, os usuários acabam utilizando as dependências do condomínio para alimentar seu vício.

A postura omissa permite então que o mau comportamento se espraie, comprometendo a imagem da unidade perante os demais condomínios e ameaçando a paz e o bem estar dos próprios condôminos. “O consumo de drogas vem seguindo um novo modelo há algum tempo, baseado na formação de grupos, o que barateia a aquisição da droga. No caso dos condomínios, a proximidade e as relações pessoais existentes ali facilitam a existência de tais  grupos. Além disso, o condomínio é visado pelos usuários porque não sofre o controle policial. Aliás, essa ausência de repressão dificulta a intervenção, e facilita que os condôminos viciados ameacem porteiros e demais funcionários de demissão caso eles os denunciem”, destaca Robert William, da ONG Defesa Social que, desde 2004, atua na prevenção e no combate às drogas por meio de palestras em escolas e empresas.

O consumo das drogas por si só não é a pior das conseqüências para o condomínio. Se nada for feito em tempo, o espaço pode virar ponto de distribuição e venda de drogas. “Os entorpecentes ainda podem provocar danos materiais à unidade, já que a utilização de drogas leva automaticamente à alteração do estado psicológico do usuário, que passa a não medir as consequências de seus atos. E para adquirir as drogas, ele acaba, muitas vezes, realizando furtos e roubos”, salienta Robert.

A síndica Vera* viveu situação semelhante em seu condomínio no Méier. Com o aumento da circulação de usuários de crack no bairro, o edifício foi invadido por pessoas interessadas em roubar itens para trocar por pedras da droga. “Começaram a pular o muro para fazer pequenos furtos. Eles roubaram portas de alumínio e até os enfeites de Natal do prédio”, enfatiza Vera, que resolveu o problema ao instalar uma cerca navalha no condomínio.

A experiência de Robert William à frente da ONG Defesa Social fez com que ele presenciasse casos extremos de violência provocados por condôminos envolvidos com substâncias alucinógenas. “Temos casos de usuários que chegaram, inclusive, a organizar assaltos, facilitando a entrada de ladrões nos condomínios. Em outras situações, informações e dicas dadas pelos próprios dependentes residentes facilitaram arrastões nas unidades. Isso acontece em função da relação dos usuários com o mundo do crime: em troca de drogas e para negociar com traficantes, eles cedem essas informações”, alertou.

Sem estereótipos
A droga no Brasil hoje não tem uma cara definida. Ela permeia todas as classes sociais e faixas etárias. Achar que elas são um problema restrito aos jovens de baixa renda é deixar de enxergar o problema em sua real dimensão. Qualquer um dentro, independentemente de perfis preestabelecidos, pode estar consumindo a droga dentro do condomínio.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), por exemplo, mostrou que 62% dos dependentes de drogas pertencem à classe A e 85% são brancos. Só para fazer um rápido comparativo: na população total do país, a classe A corresponde apenas a 5,8%, enquanto os brancos representam 53%. O mesmo estudo constatou que 30% dos usuários de drogas freqüentaram o Ensino Superior. A idade média do viciado é outro dado que pode levar a enganos. Um levantamento realizado em 2005, pelo Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), concluiu que 5,6% de pessoas com mais de 35 anos relataram fazer uso da substância.

O crescimento do uso de alucinógenos entre pessoas adultas, de meia-idade e até idosas, se repete também em outras partes do mundo. Nos Estados Unidos, de acordo com a Administração de Serviços de Abusos de Substâncias e Saúde Mental, em seis anos, o número de usuários de maconha com mais de 50 anos passou de 1,9% para 2,9%. São milhares de pessoas que ignoram os males trazidos por esse hábito à saúde. Entre os mais preocupantes, estão a perda de memória e do equilíbrio, a debilitação da parte cognitiva, a perda de massa óssea e problemas respiratórios agudos e crônicos.

Surpresa. Assim ficou Vera, a síndica do Méier, ao descobrir que os condôminos que utilizavam as dependências do condomínio para consumir drogas eram, todos, acima dos 50 anos. Assim como João, ela também começou a suspeitar da prática do ato ilícito depois de encontrar rastros de drogas em áreas de uso comum do edifício. “Para inibir a prática, implantei circuito interno de segurança na garagem. Não adiantou. Eles passavam pelos equipamentos e faziam uso da droga embaixo das câmeras, num local onde elas não conseguiam filmar. A gente só conseguiu identificar os usuários porque os vimos passando. Eu pensei que fossem adolescentes, jovens, mas na verdade eram moradores mais velhos. Quando é assim, fica ainda mais complicado tocar no assunto e resolver o problema”, conta.

Problema exige enfrentamento
Tanto Vera como João são enfáticos ao dizer que o primeiro passo para combater o consumo de drogas nas dependências do condomínio é perder o medo. Só depois de assumir o problema e lidar com ele de frente é que o gestor será efetivamente capaz de por fim aos atos ilícitos praticados internamente. O síndico de Jacarepaguá lembra que a função de administrador condominial exige coragem para enfrentar não só as drogas, como qualquer outra dificuldade que se abata sobre o edifício. “Quem tem medo não pode ser síndico, porque são muitas urgências a serem resolvidas. Quando flagrei o condômino usando maconha, ele estava com o cigarro e o fechou na mão. Provavelmente se queimou. No momento, não tive medo, mas certo constrangimento. De qualquer forma, não hesitei e, na mesma hora, falei com ele. O medo deve ser do usuário, afinal é ele quem está fazendo algo errado”, aconselha.

Já Vera conta que a primeira sensação foi de receio, mas que a confiança e a credibilidade depositada pelos demais condôminos em sua gestão a encorajou a seguir em frente. “Todos me tratam bem, inclusive os usuários de drogas. A nossa conversa, em todo o período da minha administração, sempre foi muito aberta e direta. Isso me moveu a fazer algo”, disse.

Outra dica importante é manter a discrição. Os funcionários do condomínio devem estar a par da situação, mas precisam ser orientados a não tomar providências que constranjam o condômino. O ideal é que, ao perceberem o consumo de drogas nas dependências do condomínio, comuniquem imediatamente ao gestor. “Deve-se evitar o envolvimento dos funcionários em qualquer ação para o resguardo de sua integridade física e para evitar que eles sofram ações de retaliação”, lembra Robert William, da ONG Defesa Social.

A maioria dos síndicos implanta circuitos internos de TV e reforçam a segurança da unidade. “Já estou providenciando equipamentos de segurança. Enquanto eles não chegam, meus funcionários estão em alerta para o caso de haver reincidência”, afirma João.

Outras medidas, como a intensificação da luminosidade das áreas comuns, também são eficazes. Vera, por exemplo, substituiu os antigos sensores de luz da garagem por iluminação com fotocélula. “Agora, a garagem fica clara a noite toda. O prédio é amplo e, da rua, dá para ver os fundos e as laterais. A maior visibilidade inibe o uso de drogas”, diz. A Polícia só deve ser acionada em último caso, quando o gestor já tiver lançado mão de todas as medidas, sem surtir efeito, no entanto.

O poder de uma boa conversa
Apesar de terem recorrido a diversas saídas para por fim ao uso de drogas em seus condomínios, foi com a conversa que Vera e João conseguiram conscientizar seus condôminos acerca do mal que estavam promovendo para o bem estar coletivo. A gestora do Méier narra que mesmo as câmeras de segurança não foram suficientes para frear os condôminos dependentes. Somente quando passou de unidade em unidade comunicando o problema é que conseguiu sucesso. “Esse problema se arrastava no prédio há anos. Eu já não sabia mais o que fazer. Bati então na porta de cada apartamento, expus o que estava acontecendo e enfatizei para todos os moradores que, se a situação não melhorasse, eu iria tomar medidas mais drásticas. Quando falei com os próprios usuários, eles não assumiram e ficaram bastante nervosos. Não acusei ninguém, disse que sabia quem eram os responsáveis, mas ressaltei que não pretendia expor os nomes para os demais moradores. Neste momento, os usuários ficaram mais tranquilos. O tempo todo fiz questão de frisar que estava dividindo o problema com todos para preservar o nosso patrimônio. Afinal, não seria bom para o condomínio se ele começasse a ser visto como um ponto de consumo de drogas”, narra Vera.

João também optou por manter o sigilo. Conversou diretamente com o condômino em questão, mas não levou o problema para os pais do jovem. Durante a conversa, buscou conciliar o tom acolhedor com rigidez de postura. “A fiscalização não é para o usuário, até porque, se ele notar que está sendo vigiado, aí é que vai fazer mesmo, vai ter ainda mais coragem. Tudo que é proibido é bom, senão ele não estaria nesse troço. Para mim, o que inibe mesmo é o contato humano, a conversa. Depois do papo que tive com o morador, nunca mais o evento se repetiu. Nessas horas, tem que saber lidar e dialogar com a pessoa, ser quase um psicólogo. Às vezes, é a melhor saída. Não pode conversar agredindo, mas ser acolhedor”, garante o síndico de Jacarepaguá.

Conscientização
O combate e a prevenção às drogas passam por um importante processo de conscientização ao qual o síndico também pode recorrer. Assim como a ONG Defesa Social, existem diversas outras especializadas em conscientizar grupos fechados de pessoas acerca dos malefícios causados por substâncias psicotrópicas.

Na luta contra a drogas, vale tudo: materiais de prevenção, atividades lúdicas, revitalização de espaços com fiscalização e monitoramento de áreas de uso comum, capacitação dos funcionários. “A conscientização se inicia com a capacitação de funcionários. O corpo profissional do condomínio precisa saber lidar com as drogas. Em outra ponta, temos a confecção e distribuição de materiais de prevenção, pois, na maioria dos casos de uso e abuso de drogas, as pessoas não conhecem as drogas, seus efeitos e ações. O trabalho de conscientização no condomínio é feito por meio de palestras, cartilhas, teatros e outras atividades que suscitem o interesse das crianças e adolescentes. Ao mostrar a eles a verdade sobre o mundo das drogas e como eles mesmos podem cair nessa, os transformamos em nossos fiscais”, pontua Robert William.

 

A própria Polícia Civil possui uma divisão que promove palestras de alerta contra os alucinógenos. Os interessados devem entrar em contato com a Delegacia Civil de Combate às Drogas, por meio do e-mail [email protected], e agendar uma conversa. O grupo realiza visitas em condomínios, nas quais abordam variados temas relacionados aos crimes envolvendo drogas, sempre com um viés educativo e orientador.

 

Como reconhecer?

Nem sempre o síndico consegue identificar que seu condomínio está sendo espaço de consumo ilegal de entorpecentes. Há, então, meios que auxiliem o gestor a reconhecer o problema? Quais os sinais aos quais ele deve ficar atento?

 

Especialistas garantem que os usuários de drogas seguem um padrão de comportamento. No geral, são condôminos que costumam desrespeitar as regras de convivência e de utilização dos espaços comuns. No plano pessoal, possuem uma vida irregular, andam em más companhias e geram muitos conflitos no seio familiar, sendo protagonistas de brigas e gritarias. “O principal fator de identificação é o comportamental. Mas, às vezes, esse fator pode causar confusão, já que usuários de droga e de álcool podem ter comportamentos semelhantes. O síndico deve ficar atento mesmo é à presença de restos de cigarros enrolados em papel e a saquinhos e pinos plásticos, que são usados para embalar cocaína. Latas de refrigerantes cortadas, cachimbos, objetos ocos e metálicos também são importantes vestígios físicos que os usuários de drogas deixam para trás”, pontua Robert William, da Defesa Social.

 

Na opinião de Vera, o síndico deve utilizar o senso aguçado desenvolvido no dia a dia condominial para discernir o condômino problemático, figura comum das unidades residenciais, do usuário de drogas. “O gestor precisa conhecer, vivenciar o prédio, conversar com todo mundo. Com o tempo, ele vai saber quem causa problemas e quem não causa. O importante é não se amedrontar. Tem que fazer valer seu papel e mostrar que o condomínio é um ambiente familiar que não pode simplesmente virar um ponto de droga. Se a conversa não resolver, apele para medidas mais drásticas. Aposto, no entanto, como a maioria dos casos não precisa de ocorrência nem de Polícia. Mas tem que encarar, não adianta fingir que o problema não existe”, conclui.

 

* Os nomes dos síndicos desta reportagem foram alterados para que a sua segurança.

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