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Inspeção obrigatória

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 14/05/2013
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No início de março, um incêndio com consequências trágicas chamou a atenção das autoridades do Rio de Janeiro. Um desembargador da Justiça e sua esposa morreram depois de saltar de um prédio de quatro andares, no Leblon, para fugir do fogo em seu apartamento. O caso reacendeu a discussão sobre a prevenção de acidentes em condomínios e abriu caminho para a aprovação da Lei 6400/2013, publicada em Diário Oficial dois dias após o episódio.

De autoria do Deputado Luiz Paulo (PSDB), a Lei da Autovistoria, como também vem sendo chamada, determina que todos os prédios comerciais e residenciais com menos de 25 anos promovam vistorias em suas instalações a cada dez anos. No caso de edifícios com mais de 25 anos, a inspeção tem de ser feita em intervalos de cinco anos. Estão isentos da obrigação apenas os condomínios de até dois pavimentos e aqueles com área construída inferior a mil metros quadrados.

O grande objetivo da lei é criar condições para que os condomínios identifiquem e solucionem previamente danos em suas instalações e estrutura, evitando assim acidentes que coloquem em xeque a vida e a segurança de condôminos, visitantes e transeuntes. “Geralmente, as decisões no condomínio são tomadas por pessoas bem intencionadas, porém leigas. A manutenção preventiva de uma forma geral não é feita. Os síndicos esperam, na maior parte das vezes, a situação chegar a um estado crítico para efetivamente providenciar o reparo. Nesse intervalo de tempo, acontecem os acidentes”, explica Lucio Barros, sócio executivo de uma grande empresa de engenharia.

A nova legislação vem reforçar a lei municipal nº 2.550/1997, válida apenas para a cidade do Rio de Janeiro, que já abordava o assunto, mas era ignorada por boa parte dos gestores condominiais. “Infelizmente, determinados vácuos legislativos somente são preenchidos depois que os desastres acontecem. A lei da autovistoria reforça o preceito de que os proprietários devem zelar pela segurança e solidez de suas propriedades. Porém, sendo mais específica, definindo prazos, requisitos e punições, essa nova lei contribui ainda mais para o assunto. O objetivo é proteger a segurança de todos, reforçando o dever do síndico”, salienta André Luiz Junqueira, supervisor jurídico do escritório Schneider Associados.

A vistoria periódica, segundo a norma, deve ser efetuada por um engenheiro, arquiteto ou empresa que sejam legalmente habilitados pelos Conselhos de Engenharia e Arquitetura. Ao final da visita, o profissional emitirá um laudo técnico, no qual devem constar as anomalias encontradas durante a vistoria, suas características e causas, e as medidas a serem tomadas pelo condomínio para a reparação dos problemas. “A Lei 6.400 não especifica todos os requisitos do laudo, pois esses detalhes provavelmente serão trabalhados na regulamentação da lei através de decretos e atos administrativos do Poder Executivo”, completa o advogado André Luiz.

A lei permite ainda que, em qualquer momento da vistoria, assim que for constatada irregularidade que ponha em risco a comunidade condominial, o profissional responsável acione o órgão municipal competente, para que sejam tomadas providências para o isolamento do local.

Assim que o laudo for emitido, o síndico terá de convocar uma Assembleia para comunicar todos os condôminos sobre as conclusões do documento. De acordo com a lei, o documento deverá ser arquivado no próprio condomínio e apresentado sempre que algum órgão governamental o solicitar. Em caso de perda ou extravio, caberá ao administrador solicitar uma segunda via ao profissional ou contratar uma nova vistoria. “No texto da lei, as prefeituras deverão elaborar um modelo do laudo exigido e esse desenho não pode demorar a ser liberado, afinal de contas os acidentes estão acontecendo e a lei busca evitá-los”, alerta Geraldo Victor, gerente geral de Condomínios da APSA.

Lei prevê punição aos infratores
José Carlos Sena, síndico do Astral Sul, condomínio com 40 unidades, em São Conrado, vem acompanhando pela imprensa as notícias relacionadas a acidentes em condomínios. Assim que a lei foi promulgada, entrou em contato com a administradora para sanar suas principais dúvidas e não hesitou: incluiu o debate sobre a autovistoria na pauta da Assembleia de março. “Os condôminos precisam ter consciência do que está acontecendo e do que pode acontecer. Nessa reunião, propus trocar as colunas de distribuição de água antes de elas começarem a vazar. E usei a lei para conseguir a aprovação com os moradores”, conta.

A preocupação de José Carlos tem razão de ser. Construído em 1978, o Astral Sul nunca passou por uma inspeção geral em suas instalações. Depois de 30 anos, é provável que o condomínio precise de reparos, e o síndico já notou alterações significativas em algumas áreas. “O prédio foi construído para outra realidade. Hoje, a gente tem uma série de aparelhos eletrônicos que sobrecarrega, principalmente, a parte elétrica do condomínio. Temos problemas aqui. Ao assumir como síndico, fiz uma revisão nas instalações anti-incêndio do prédio. As mangueiras estavam furadas e as pessoas não sabiam nem como abrir os extintores de água para combater o fogo. Há problemas também com as tubulações de gás. Elas são antigas, de ferro e, com o tempo, a tendência é que corroam, provocando escapamento”, destaca o gestor de São Conrado.

É importante que, assim como José Carlos, os síndicos se movimentem no sentido de cumprir a nova lei. Até porque há previsão de punição para aqueles que não a obedecerem. Segundo o artigo 7º da norma, “o síndico será pessoalmente responsabilizado, solidariamente com o condomínio, por danos que a falta de reparos ou de manutenção da edificação venha a causar a moradores ou a terceiros”. Embora as punições ainda não tenham sido especificadas, a legislação urbanística vigente prevê advertência, multa e até interdição do condomínio.

Prepare o seu condomínio
A lei da autovistoria ainda não foi regulamentada, mas já está em vigor. Isso significa que os síndicos precisam se preparar para cumpri-la. A recomendação é que os gestores comecem, o quanto antes, a pesquisar profissionais no mercado capacitados para a emissão do laudo técnico. “Apesar de não termos a regulamentação da lei, de acordo com as normas técnicas vigentes, o profissional poderá verificar os problemas eventualmente existentes, evitando danos ou que o condomínio tenha que resolvê-los pressionado por multas da Prefeitura e outros órgãos”, esclarece o advogado André Luiz.

A APSA já vem reunindo esforços para auxiliar os síndicos nessa empreitada. De acordo com o gerente geral de Condomínios, Geraldo Victor, a administradora está preparando seus profissionais para esclarecer eventuais dúvidas dos gestores. Além disso, assim que a Prefeitura publicar o modelo de laudo técnico a ser emitido, a empresa disponibilizará aos clientes engenheiros e arquitetos capacitados para atender os dispositivos legais. “Pretendemos acompanhar nossos clientes na condução do cumprimento do que compor o laudo, prestar os esclarecimentos, auxiliar na busca de soluções viáveis e condução dos processos decorrentes das decisões”, afirma Geraldo.

O síndico precisa também organizar as finanças condominiais, já que os custos da autovistoria ficarão a cargo do condomínio. Ela deverá arcar com as despesas decorrentes da contratação do profissional e mais: terá de pagar as obras e ajustes apontados pelo engenheiro, durante a autovistoria, como essenciais para a manutenção das boas condições de funcionamento do edifício.

O advogado André Luiz Junqueira recomenda, no entanto, atenção aos gestores que precisarem realizar correções nas dependências. “É o condomínio quem vai arcar com as despesas, salvo se for apurado que o responsável seja um dos condôminos ou qualquer outra pessoa. Tudo deve ser bem documentado e acompanhado por um advogado e um perito. Do contrário, o condomínio pode ter que arcar com mais despesas do que precisaria ou pode demorar para resolver problemas de sua responsabilidade”.

Inspeção em áreas problemáticas
Três dias depois de tomar posse como síndico do Condomínio Golden Place, com 118 unidades na Tijuca, Claudionor dos Santos enfrentou um problema. Dos graves. A marquise da loja localizada na unidade ruiu. O incidente ocorreu por volta das 23 horas e, por sorte, não feriu ninguém.

O gestor contratou então um engenheiro para averiguar as causas do desmoronamento. Depois de analisar a estrutura, o profissional concluiu que a marquise, embora já estivesse comprometida, caiu em função de uma obra realizada pelo proprietário da loja. “Durante a obra na loja, foram colocadas plaquetas na marquise, o que sobrecarregou a estrutura. Segundo o laudo, ela estava com um peso equivalente a quatro toneladas”, conta Claudionor.

Erigido em 1990, assim como muitos condomínios da cidade, o Golden Place nunca havia passado por qualquer vistoria. Assustado com o incidente, o síndico da Tijuca pretende chamar o mesmo engenheiro para realizar uma inspeção geral no condomínio e já estuda a possibilidade de reformar o telhado do playground, que vem dando sinais de desgaste. “O primeiro sinal de que algo não vai bem está no aspecto visual dos acabamentos, quando os revestimentos – emboços pintados, cerâmicas, granitos e outros – se apresentam manchados, estufados, trincados, com rejuntamento deficiente. Independentemente de sinais, em se tratando de fachadas e marquises, ou seja, de locais em que a queda de fragmentos podem causar acidentes com vítima fatal, é de fundamental importância a manutenção preventiva periódica”, salienta o engenheiro Lucio Barros.

A lei 6400/2013 foca a vistoria em áreas sensíveis dos edifícios, sendo elas “estruturas, subsolos, fachadas, esquadrias, empenas, marquises e telhados, e em suas instalações elétricas, hidráulicas, sanitárias, eletromecânicas, de gás e de prevenção a fogo e escape e obras de contenção de encostas”. Pode não parecer, mas cada um desses espaços e estruturas oferece riscos de naturezas diversas quando não preservados. Um subsolo mal conservado, por exemplo, é passível de acarretar a ruptura das contenções laterais, o que faz penetrar água no solo gerando o rebaixamento do terreno.

As instalações elétricas e hidráulicas são outros itens que exigem bastante atenção. “O profissional escalado para a vistoria deve priorizar a análise dos pontos passíveis de acidentes termoelétricos, que são as fontes de ignição mais conhecidas em edificações. Além disso, tem de verificar a conformidade da chave de desligamento elétrica geral quanto ao acesso e a operabilidade e as seccionadoras automáticas contra curtos-circuitos e sobre temperatura. Quanto às instalações hidro-sanitárias, merece atenção sua conectividade com as redes das concessionárias ou despejos em corpos hídricos”, afiança Fernando Azevedo, engenheiro civil e de segurança do trabalho.

Para o engenheiro, a lei da autovistoria trará mais tranquilidade à comunidade condominial, mas ele lembra que, para o trabalho ter sucesso, é imprescindível que os gestores optem por profissionais gabaritados para emitir o laudo técnico. “Considerando a idade de algumas edificações e as condições em que foram mantidas, é possível que muitas estejam em total desacordo com as regras de segurança. Uma vistoria competente sempre trará subsídio para que o síndico tome as decisões mais acertadas no dia a dia. Mas, como a esmagadora maioria dos gestores é leiga nesses assuntos, a contratação de um profissional qualificado e habilitado é essencial. Ele é o único capaz de revelar as informações de ações adequadas para atender os postulados legais e normas pertinentes. Quase sempre uma boa entrevista ou uma recomendação trará confiabilidade para a efetiva contratação”, conclui Fernando.

O engenheiro Lucio Barros pontua que uma vistoria liderada por um profissional qualificado não só afastará possíveis riscos de acidentes como também será eficiente para reduzir gastos no condomínio. “A inspeção geral é de fundamental importância para a redução de acidentes e de eventuais desperdícios de energia, água e materiais, ou seja, se colocada em prática além de melhorar a segurança promoverá uma redução no custo da manutenção condominial. Mais do que uma lei, a autovistoria deveria ser utilizada como um manual prático nos condomínios”.

O fantasma dos incêndios
O fogo é um dos maiores medos de quem vive em um condomínio. As consequências de um incêndio são devastadoras. Podem ir desde prejuízos materiais, que implicam o comprometimento de um patrimônio mantido durante toda a vida, até perda de vidas humanas. O caso do casal do Leblon citado no início desta matéria foi mais um que se somou às estatísticas de incêndios ocorridos em condomínios no Rio de Janeiro. Só em 2011, foram registradas mais de três mil ocorrências de fogo em edifícios residenciais no estado.

A lei da autovistoria tem como um dos principais objetivos o de prevenir acidentes envolvendo fogo nas dependências das unidades condominiais. “Em princípio, qualquer interação entre o combustível, comburente e um ponto potencial de ignição é suscetível a incêndios. Desconsiderando ações de natureza pessoal, os locais mais suscetíveis para eclosão de um foco de incêndio estão localizados nas cozinhas, lixeiras e compartimentos com motores elétricos do condomínio, A vistoria identificará a vulnerabilidade desses espaços e indicará recomendações para mitiga-la”, enfatiza Fernando Azevedo.

Os síndicos, no entanto, não precisam esperar a inspeção profissional para livrar seus condomínios dos riscos de um incêndio. Dicas simples podem afastar esse fantasma que ronda o cotidiano condominial. Segundo o engenheiro Fernando, o primeiro passo é revisar, adequar e conservar os sistemas ativos e passivos de proteção contra incêndio e pânico. É importante também que o condomínio treine seus funcionários e alguns condôminos sobre como proceder em um princípio de incêndio e como usar adequadamente os equipamentos de primeira intervenção.

Deve-se proteger as instalações elétricas e controlar o volume e tipo de combustíveis aplicados ou estocados no interior do edifício. Manter o acesso às saídas de emergência livre e desimpedido é outra dica importante. “O local mais difícil de manter longe do perigo é o interior dos apartamentos. A unidade é independente e privativa e lá ocorrem ações sem que, muitas vezes, a administração condominial tenha ciência”, sublinha Fernando.

Talvez por isso, a arma mais poderosa na guerra contra o fogo seja a informação. É preciso conscientizar os condôminos sobre a responsabilidade de cada um para a manutenção da segurança do condomínio. A política de conscientização passa, em especial, por uma exposição sobre os perigos oferecidos pelos eletrodomésticos. Eles exigem manutenção e não podem ficar ligados enquanto os condôminos estão fora de casa.

Nesse sentido, o Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro possui, desde 2011, um projeto para a regularização de condomínios quanto às normas de segurança contra incêndio e pânico. O objetivo é, por meio de palestras mensais e gratuitas, levar informações para síndicos e administradores sobre cuidados exigidos e manutenção de equipamentos. “A Lei 6.400 pode ser mais um ‘empurrão’ que os condomínios precisavam para olhar um pouco mais para a segurança e solidez de seus imóveis”, finaliza o supervisor jurídico André Luiz Junqueira.

 

Texto: Aline Duraes

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