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Na fachada, não!

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 14/05/2013
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Imagine a seguinte situação: uma jovem precisa causar boa impressão aos convidados de uma festa. Decide então se maquiar: escolhe um batom de tom bem forte, passa sombras de cores distintas em cada um dos olhos, usa blush escuro de um lado do rosto e claro do outro. Combina um brinco dourado na orelha esquerda com um prateado na direita. Será que, ao final do evento, a jovem terá atingido seu objetivo e deixado uma boa impressão? É provável que a resposta para essa pergunta seja não, já que, ao se maquiar desse jeito, a jovem exagerou e rompeu o padrão estético do seu próprio rosto.

Processo semelhante acontece com a fachada de muitos condomínios espalhados pela cidade. A fachada funciona para o edifício como o rosto para o ser humano. É ela a responsável pela primeira impressão que um futuro proprietário ou inquilino, funcionários, moradores de prédios vizinhos e visitantes têm do condomínio. Uma vez mal cuidada e desorganizada, sem homogeneidade e desarmônica, sua estética fica comprometida, o que pode afastar potenciais compradores e novos negócios para o condomínio, desvalorizando consideravelmente os imóveis encontrados ali.

Manter a padronização da fachada não é um processo tão simples quanto parece. A tarefa exige não só reparos e pinturas constantes, mas demanda também um zelo cotidiano para impedir toda e qualquer alteração, por mais sutil e inofensiva que seja. Antenas de TV, toldos e caixas de ar condicionado são exemplos de alterações simples que, no final das contas, podem interferir na apresentação da fachada do condomínio. E mais: são proibidas por lei.

De acordo com o Código Civil, a fachada, junto com o play, piscina, garagens, corredores e escadas, compõem a área comum do condomínio e, portanto, serve à coletividade, não podendo ser utilizada em prol do interesse individual de um ou mais condôminos. Isso significa que, embora o proprietário tenha direitos sobre a sua unidade, ele não pode interferir na fachada do edifício, o que inclui as paredes externas, sacadas, janelas e esquadrias, entre outros elementos responsáveis por sua harmonia estética.

O artigo 1.336 do Código Civil dispõe sobre os deveres do condômino e é taxativo: não se deve “alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas”. “A fachada é bem comum, compõe o aspecto arquitetônico do prédio”, destaca Caroline Roque, consultora jurídica da Schneider Associados, lembrando que a regra se estende também para sacadas e varandas: “estas não são áreas autônomas, privadas. A decoração não pode ser feita de tal forma que altere o padrão arquitetônico da fachada. Ainda que muitos apartamentos fechem as suas varandas e aparentemente haja uma tolerância da Prefeitura, legalmente, essa iniciativa ainda é proibida na cidade do Rio de Janeiro”.

A advogada ressalta ainda que, no caso de algum condômino promover inadvertidamente alterações na fachada, o síndico deve tomar providências imediatas: “inicialmente, deve notificar o condômino solicitando que desfaça a alteração, mas caso o condômino não atenda a notificação, e se a Convenção do condomínio estiver atualizada, nos moldes do Código Civil, o síndico poderá, também, multar a unidade. Se ainda assim, não surtir efeito, sugerimos que o síndico convoque uma Assembleia a fim de deliberar sobre o ingresso de uma ação judicial”, alerta Caroline.

Uma antena e muita dor de cabeça
Lúcia Fonseca se incomodava bastante toda vez que via a antena de TV a cabo fixa na parede externa da fachada do Lord Arnold, condomínio no Catete, onde é síndica. Durante uma obra na área, um dos pedreiros danificou o aparelho, que precisou ser substituído. Essa foi a oportunidade que Lúcia precisava para resolver a situação e realocar a antena. “Nosso prédio é alto e, por isso, da outra rua, eu conseguia avistar a antena. Apesar da tecnologia avançada, esses aparelhos são feios e destoam do restante da fachada. Nunca falei nada, porque pensei que a antiga síndica havia autorizado a instalação do equipamento ali. Quando aconteceu esse incidente, durante a obra, nós tivemos que pagar uma antena nova ao inquilino. Eu concordei, mas o informei de que ela seria instalada na parte de cima do prédio, onde ficam mais de 20 antenas semelhantes”, conta a gestora.

A reprimenda gerou um mal estar entre a síndica e o condômino. Hoje, eles não se falam. “Para validar a minha posição, fui até a minha administradora e pedi que a empresa redigisse uma carta comunicando que não eram permitidas antenas fixas na fachada do condomínio. Depois de receber essa notificação, o inquilino passou a me ignorar. Quando estou na portaria, ele cumprimenta todos os funcionários e simplesmente vira a cara para mim”.

Essa, entretanto, não foi a primeira vez que o condômino em questão adotou práticas que colocaram em risco a harmonia estética da fachada. Tempos antes, Lúcia foi obrigada a acioná-lo depois que moradores de condomínios vizinhos reclamaram sobre as roupas distribuídas no parapeito da janela. “Ele colocava as roupas para secar na janela. Ficava um horror. Conversei com ele, expliquei que a disposição das roupas dava um ar negativo ao condomínio. Hoje em dia, ele pendura as peças de um jeito que ficam parecendo uma cortina. Então eu não reclamo”.

Para a síndica do condomínio de 44 unidades, preservar a aparência do condomínio é assegurar que os imóveis de seus condôminos estejam sempre valorizados perante o — cada vez mais aquecido — mercado imobiliário carioca. “A fachada é intocável. Como acontece nos corredores dos andares e hall de entrada, não é permitido colocar nada que comprometa o seu padrão estético. Se eu vejo um vaso de plantas em um corredor, por exemplo, ou algo singelo que não comprometa a passagem dos outros, até permito. Mas na fachada é diferente, ela precisa seguir um padrão. Imagina se eu ponho a minha fachada azul, outro morador pinta as esquadrias de verde, outro de rosa. Vira uma colcha de retalhos, um muro pichado”, afirma Lúcia Fonseca.

Quando a segurança também está em jogo
Nem sempre a estética é o único quesito em jogo nos casos de alterações no padrão da fachada. Dependendo do tipo de mudança, a segurança também pode ficar prejudicada. Foi o que aconteceu no condomínio Viscondessa de Mauá, de 49 unidades, no Flamengo. Em dezembro do ano passado, um dos condôminos trocou as janelas de sua unidade e, durante a obra, parte das pastilhas e do reboco da fachada caiu na calçada, colocando em risco condôminos e pessoas que transitavam pelo local. “Eu e outro morador, que é engenheiro e integra a comissão de obras do condomínio, fomos à unidade verificar a situação em que se encontravam as obras das janelas. Constatamos que as outras janelas tinham trechos de pastilhas nas mesmas condições da que havia caído. Conversamos com o morador e destacamos a necessidade urgente de resolver o problema”, narra Maria das Graças Matos Barreto, síndica do Viscondessa de Mauá.

Como nenhuma providência foi tomada, a gestora enviou uma notificação ao condômino destacando “a necessidade da remoção urgente e reconstituição da parede externa nas áreas próximas às esquadrias das janelas que se encontravam sem pastilhas”. Nem mesmo a advertência surtiu efeito. Maria das Graças precisou convocar uma Assembléia Extraordinária e interditar a entrada da garagem do condomínio por nove dias, causando transtornos aos usuários do espaço.

Até o início de fevereiro, a fachada não havia sido reconstituída, comprometendo, assim, tanto a aparência pública do prédio como o bem-estar de seus moradores. A advogada Caroline Roque, da Schneider Associados, lembra que há previsão de multa para casos desse tipo, nos quais o condômino desrespeita a lei mesmo depois de notificado: “É importante que o condomínio tenha uma cláusula em sua Convenção que viabilize ao síndico multar a unidade infratora. Caso necessário, o gestor pode ainda recorrer à ação judicial para compelir o condômino a restaurar o padrão da fachada”, aponta.

Questão de consenso
Embora o Código Civil proíba descaracterizações estéticas na fachada, há uma brecha na lesgislação que pode flexibilizar a discussão em torno das alterações. Segundo a lei 4591/64, também conhecida como Lei de Condomínios, “o proprietário ou titular de direito à aquisição de unidade poderá fazer obras que modifiquem sua fachada, se obtiver a aquiescência da unanimidade dos condôminos”.

Sendo assim, caso exista impasse sobre alguma alteração de padrão na fachada do condomínio, o ideal é convocar uma Assembleia Extraordinária e deliberar sobre o assunto. Para a aprovação, no entanto, será necessário quórum qualificado. Aprovações desse tipo são comuns principalmente quando o tema da deliberação são alterações mais simples, como envidraçamento de sacadas e instalação de ar-condicionado. “Pela leitura ao pé da letra da lei, não há exceção para elementos que alterem, mas não comprometam a beleza do prédio. Contudo, há casos de decisões judiciais que permitiram alterações que não afetassem a beleza, segurança, estética do prédio e não causassem prejuízo aos demais condôminos. Por isso, é necessário bom senso na hora de avaliar a situação para não ocorrer uma alteração de fachada à revelia do condomínio, mas também para não inviabilizar a utilização desse serviço pelo condômino”, finaliza a advogada Caroline Roque.

 

Texto: Aline Duraes

 

 

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