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Para onde vai a Cultura agora?

Por Cidades e Serviços
Última atualização: 16/08/2021

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Quando a pandemia, de fato, começou no Brasil, em março de 2020, o setor cultural foi o primeiro a ser impactado com o fechamento de teatros, cinemas, casas de shows e demais espaços, por conta da contenção à disseminação do vírus. Assim, uma crise sem precedentes instalou-se no segmento. Crise essa que acentuou drasticamente algo que já vinha acontecendo na Cultura, setor responsável por cerca de 4% do PIB nacional. 

Uma pesquisa inédita, recentemente divulgada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), mostra que a pandemia zerou a receita de 41% dos 2667 agentes de cultura entrevistados entre março e abril de 2020. Entre maio e julho, o prejuízo total atingiu quase metade do setor: 48,8% dos respondentes declararam redução de 100% dos rendimentos.

A cadeia produtiva do setor também foi duramente afetada, uma vez que entre março e abril e entre maio e julho as contratações de terceiros foram totalmente interrompidas por 43,1% e 49,1% dos entrevistados, respectivamente. Aqueles que puderam contratar focaram nos serviços digitais para a sobrevivência do negócio durante o isolamento social, como investimentos em publicidade na internet (19%) e ferramentas on-line para trabalho remoto (12,6%).

Prestes a estrear o espetáculo de teatro infantil “Diário de Pilar na Grécia”, no Teatro Multiplan no VillageMall, no Rio de Janeiro, na primeira semana de abril de 2020, a atriz e produtora carioca Miriam Freeland teve que aguardar por mais de um ano para ver a peça voltar à cena. O espetáculo – um hit do público infantil, que já levou mais de 35 mil pessoas ao teatro – estará de volta em agosto de 2021, para uma curta temporada de seis apresentações presenciais. A casa, que passou quase um ano fechada, está trabalhando com 40% da sua lotação, obedecendo às normas da Prefeitura do Rio.

Peça de teatro
Espetáculo Diário de Pilar na Grécia, de Miriam Freeland
Crédito: Dan Coelho

“A gente não tinha ideia do impacto que seria a pandemia, mas já percebíamos que algo muito sério estava acontecendo. Ficar afastada do trabalho como um todo, e dos palcos efetivamente, foi muito triste. Não só para os artistas, mas para toda a enorme cadeia profissional envolvida, que precisou se reinventar em outros trabalhos para se sustentar nesse período de restrição. Já artisticamente, é péssimo porque o teatro vive desse encontro, o teatro é a arte do encontro, e ele não acontecer é muito sério, é muito impactante”, afirma ela que, há mais de quinze anos, comanda a produtora Movimento Carioca, ao lado do marido, o ator e diretor Roberto Bomtempo.

E o setor realmente se reinventou. As lives e as atividades on-line, como mostra a pesquisa, foram algumas das principais saídas no ano passado para quem vive de arte. O teatro também migrou para o ambiente on-line com diversas produções e propostas criativas de grupos, atores e produtores. 

“Observei companheiros de equipe se reinventando para ter o seu sustento, como  a nossa camareira que começou a trabalhar numa feira de roupas, o nosso diretor de palco foi fazer as lives dele com contribuição voluntária. E outros que, de fato, passaram por necessidades. Muitos, em situações mais drásticas, também se envolveram em campanhas, como as da APTR no Rio, por exemplo”, conta Miriam Freeland.

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A atriz Miriam Freeland em cena: “Ficar afastada do trabalho como um todo, e dos palcos efetivamente, foi muito triste. Não só para os artistas, mas para toda a enorme cadeia profissional envolvida…”
Crédito: Dan Coelho

A APTR, organização citada pela atriz, é a Associação de Produtores de Teatro, que teve um papel fundamental no socorro aos trabalhadores da classe do Rio de Janeiro. Atuando fortemente durante todo o ano de 2020 no suporte ao desenvolvimento de políticas públicas e de ações efetivas em prol da classe artística, a associação promoveu uma campanha de ajuda que distribuiu dois mil vales-refeição de R$500, numa primeira etapa, e vales de R$300 na segunda etapa aos trabalhadores cadastrados. 

“Está sendo um período terrível para a classe. Com teatros fechados, não tem trabalho para ninguém: produtores, atores, músicos, técnicos, cenógrafos, figurinistas, iluminadores… Estão todos, exceto quem tem contrato fixo com alguma emissora, passando por muitas necessidades. Recebemos inúmeros pedidos de ajuda de todos os lados, o tempo todo. Com a extensão da pandemia, a situação piora muito, pois é um acúmulo de tempo sem trabalho”, relata Aniela Jordan, gestora cultural e integrante do colegiado da APTR.

Aniela acredita que a retomada será lenta, mas espera um retorno do público. “A reabertura de cinemas e teatros, com todos os protocolos necessários, é um movimento de resistência muito importante. É claro que, com a permissão de vender apenas 40% da lotação, a receita não é significativa. Mas é fundamental que as salas que tenham possibilidades de cumprir os protocolos sejam pioneiras na retomada. Lentamente mas com esperança”, diz.

Nas grandes capitais, a maioria das salas de cinema já está operando, apesar dos estragos. Segundo levantamento da empresa Comscore, feito a pedido da revista VEJA, ao longo de 2020, os cinemas brasileiros viram a arrecadação despencar 78% em relação ao  ano anterior. 

Em São Paulo, a maioria das salas de teatro já voltou a operar com capacidade reduzida. No Rio de Janeiro, este movimento também já começou, impulsionado pelo avanço da vacinação e as salas aptas a cumprir com os protocolos de segurança já operam com 40% da sua capacidade.

Prestes a retornar aos palcos como a Pilar, Miriam Freeland está ansiosa: “Estou ansiosa, preocupada, mas ao mesmo tempo com um friozinho na barriga de uma estreia! Como produtora, tem toda a responsabilidade de estar gerindo este evento com todos os protocolos para a equipe, para o elenco na parte de backstage e, obviamente, para o público. Então, dá um frio na barriga por viver uma coisa que eu nunca vivi, que é planejar testes de COVID, planejar uma alimentação individualizada (coisa que a gente nunca teve no teatro) e aprender, o que não deixa de ser uma estreia neste aspecto”, afirma.

Sem contar com apoio na esfera federal, o setor ainda se vê numa crise, que pode continuar, mesmo com o retorno das atividades presenciais. “A esfera federal não tem interesse em promover a cultura então não podemos esperar nada nesse momento. Contamos com as esferas estadual e municipal que podem, através de leis de fomento, possibilitar a realização de espetáculos possíveis (poucos atores e técnicos). Uma medida importante seria também facilitar a retomada das produções nos teatros públicos, disponibilizando uma boa infra-estrutura (técnicos de palco e equipamentos de luz e som), além de claro, teatro em ordem com relação a manutenção, ar-condicionado, equipe de limpeza, protocolos sanitários… De forma a minimizar os gastos das produções e deixar o público confortável e seguro”, diz Aniela.

E a crise não é exclusiva dos teatros ou dos cinemas. Em julho deste ano, a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou que a Ancine, a Agência Nacional de Cinema, finalize até novembro a análise de projetos referentes a editais de 2016, 2017 e 2018, que estão parados na agência há anos sem qualquer parecer.

“Já estava cruel antes da pandemia com todo um achatamento, com toda uma falta de esclarecimento, com todas as fake news e com toda enganação com as pessoas sobre as leis de incentivo. Enfim, é um sucateamento absoluto para  enfraquecer a voz que a Cultura tem, e é uma pena porque a Cultura é a expressão de um povo e identidade de um país, e achatar isso é você não dar o direito de expressão”, conclui Miriam.

 

Por: Mario Camelo

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