Já pensou em um aumento de 700% na conta de água?
Por Cidades e Serviços
Última atualização: 19/02/2024
Economia
Mario Camelo
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) prevista para ocorrer nos próximos meses pode fazer com que o dinheiro dos condôminos escorra pelos ralos. Trata-se de uma questão envolvendo a cobrança da tarifa de água pelas concessionárias aos condomínios.
As empresas fornecedoras de água têm a intenção de instituir uma cobrança compulsória para os condomínios, baseando-se na multiplicação da tarifa mínima pelo número de unidades residenciais. A abordagem negligencia o volume registrado pelo hidrômetro, resultando na cobrança junto ao condomínio por uma quantidade de água não efetivamente utilizada. Isso culmina em um valor faturado que pode chegar a ser três vezes superior ao consumo real.
Outro prejuízo em vista, caso a nova forma de cobrança seja considerada válida, é relativo à aplicação da progressividade. A progressividade consiste em uma penalidade imposta aos usuários que desperdiçam água, resultando no aumento do preço da tarifa.
As concessionárias almejam que cada condomínio seja tratado como um único usuário, assemelhando-o a uma residência individual, o que automaticamente impõe a tarifa mais elevada ao condomínio como um todo. No entanto, a abordagem mais apropriada seria considerar a progressividade — penalização pelo desperdício de água — com base no número de unidades existentes no condomínio, tratando cada unidade como se fosse uma residência independente. Isso visa evitar que as pessoas sejam penalizadas simplesmente por viverem em um condomínio.
Vice-presidente jurídico do Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro (Secovi-RJ) e diretor jurídico adjunto da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI), Alex Velmovitsky participou recentemente de uma audiência pública no STJ sobre a questão.
“Os argumentos das concessionárias são muito frágeis. Creio que a audiência tenha sido muito positiva no sentido de explicarmos os riscos e prejuízos que essas mudanças podem trazer para a sociedade de uma forma geral. No Rio de Janeiro, que tem uma das tarifas mais caras do Brasil, o aumento poderia chegar a 700%. As pessoas precisam estar cientes do que está acontecendo”, avalia.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a OAB-RJ (Ordem dos Advogados – Seccional do Rio de Janeiro), o Condecon – Procon Carioca e o Instituto dos Advogados Brasileiros – também já se posicionaram contra o critério da tarifa que as concessionárias querem impor.
ABADI lança manifesto contra a mudança
A ABADI lançou um abaixo-assinado contra a possibilidade de mudança no formato da cobrando da tarifa de água nos condomínios. O documento pode ser assinado através do link (https://www.change.org/p/tarifa-de-%C3%A1gua-justa-e-legal-medi%C3%A7%C3%A3o-pelo-consumo-e-progressividade-pelas-economias?signed=true).
De acordo com o texto do manifesto, se prevalecer a modalidade de tarifação defendida pelas concessionárias, o condomínio todo teria que consumir 500 litros de água por dia para ficar na primeira faixa de progressividade (15m³ por mês) e evitar a aplicação de um aumento de 700% no valor da conta. Trata-se de uma quantidade ínfima de água, considerando que o ser humano precisa de 50 a 100 litros de água por dia para sobreviver, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde).
“Se o condomínio tiver 10 unidades (considerando-se 4 pessoas por apartamento), cada indivíduo teria que consumir, no máximo, até 12,5 litros de água por dia. Em um prédio de 100 unidades, cada pessoa poderia consumir apenas 5 litros de água por dia para que o condomínio se mantivesse na primeira faixa de consumo. A quantidade equivale a um décimo dos padrões mínimos de água exigidos pela OMS para que o ser humano possa preencher as suas necessidades mais vitais”, acrescenta o texto.
O presidente da ABADI, Rafael Thomé, diz que a ideia é mobilizar o maior número possível de instituições e pessoas na campanha. “A ABADI não busca protagonismo nesse movimento, mas sim representa os interesses dos condomínios diante das práticas das concessionárias. A nossa percepção é que essas empresas utilizam seu poder político e financeiro para tentar impor uma cobrança desfavorável aos interesses dos condomínios. Essa questão não deve ficar restrita aos síndicos e conselhos fiscais, mas deve ser levada à população em geral. E neste sentido, é papel dos síndicos ajudar na conscientização”.
Discussão é antiga, aponta especialista
A discussão sobre o formato da cobrança das tarifas de água aos condomínios tem mais de 20 anos e, até o momento, as concessionárias perdem praticamente todas as ações na Justiça. A informação é do advogado André Luiz Junqueira, especializado em Direito Condominial.
“A jurisprudência que se formou ao longo de 20 anos sempre foi contrária à tese de multiplicação da tarifa mínima pelo número de unidades pelas concessionárias, tanto que nossos advogados nunca perderam uma ação em face de concessionárias do Rio de Janeiro discutindo isso com a CEDAE ou Águas do Rio – o que é muito difícil, mesmo para causas que seguem a doutrina e jurisprudência dominante. Nosso Tribunal de Justiça tem até súmula contra essa prática da multiplicação”.
Ele frisa que foi uma surpresa quando as concessionárias de fornecimento de água conseguiram levar essa questão com poucas decisões a seu favor para o julgamento especial. Na visão dele, se o STJ conceder ganho de causa às concessionárias, estarão rasgando o Código de Defesa do Consumidor e causarão prejuízos que podem chegar a bilhões de reais aos condomínios brasileiros.
“Apesar de não poder termos certeza, a previsão mais óbvia é que o STJ vai continuar seguindo a massiva corrente dominante, que é considerar ilegal essa prática das concessionárias e continuar permitindo que os condomínios impeçam esse abuso e peçam ressarcimento de tudo que lhes foi cobrado a mais nos últimos 10 anos. Mas não se deve dar qualquer espaço para uma possibilidade diferente, por isso a iniciativa da ABADI é tão importante, aliada à intervenção que fez no processo junto de outras entidades, como a OAB e Secovi-RJ”, comenta.