Preservar é a nova ordem mundial e uma escolha sem volta. Mas essa premissa não está presente somente nos temas relacionados ao meio ambiente, que ganham cada vez mais visibilidade, sobretudo em meio às ondas de calor e o inequívoco aquecimento global. Preservar a cultura e a memória também são decisões que a humanidade já entendeu que precisa tomar. Mais do que uma tendência, conservar, e restaurar construções antigas passou a ser uma necessidade. E, com a escassez de terrenos nas áreas mais disputadas do Rio de Janeiro, o mercado imobiliário viu uma oportunidade para ressignificar esses locais e promover empreendimentos inovadores.
Para muitos, ter um bem tombado no terreno pode parecer inicialmente um grande entrave, mas enxergo como uma grande oportunidade. E não estou sozinha. Em todo o Rio de Janeiro existem diversos imóveis tombados que estão abandonados e em ruínas e que poderiam virar grandes projetos a partir de incentivos do poder público. Casarões onde moraram Portinari, Machado de Assis e Monteiro Lobato, por exemplo, sofrem com a má conservação, ainda que tenham sido alvo de decretos de tombamento, que não estão sendo cumpridos. Em geral, por falta de recursos para isso. Levantamento recente da Subprefeitura do Centro do Rio apontou que apenas na região existem cerca de 160 imóveis abandonados ou em péssimo estado de conservação. Não à toa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) recentemente anunciou que deve destinar R$ 1,3 bilhão do Ministério da Cultura para o lançamento de um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) específico para obras de recuperação de mais de 100 prédios históricos no país. O mesmo Iphan se inspirou no “Adote um Casarão”, do Governo do Maranhão, por meio de Parcerias Público-Privadas, para ajudar a dar a edifícios tombados novos usos.
Nesse processo, é sempre possível resgatar e observar elementos arquitetônicos que marcam o tempo da construção, o resgate de um ladrilho que estava por baixo de um piso que foi colocado posteriormente, a fundação em pedra que denota uma técnica construtiva específica de um período. Esses itens vão nos ajudando a montar esse quebra-cabeça que conta a história da construção e de um determinado período. Para mim, esse trabalho é um serviço quase arqueológico, que ajuda a contar a história de uma parte da cidade, de um bairro, de uma época. Há vários exemplos de projetos bem sucedidos neste sentido, como o do Largo do Boticário, o do Hotel Glória e o da Clínica Pitanguy, em Botafogo. Um caso recente é o casarão onde funcionou o Colégio Padre Antônio Vieira, no Humaitá, por mais de 80 anos. O bem ficaria sem destinação, escondido atrás da construção que dava espaço à escola, se não fosse pela iniciativa privada, que está restaurando o local e mantendo viva a memória da região, tradicional em casarios antigos. Para as incorporadoras, equacionar esse processo é mais complexo e mais caro do que erguer um empreendimento do zero. Mas, de modo geral, vale a pena. Não é o bem tombado que dificulta ou facilita as vendas e, sim, o projeto desenvolvido a partir desse bem.
Por Tanit Galdeano
Médica, empresária e presidente da TAO Empreendimentos